Imani é uma palavra de origem árabe que significa crença e em Suaíli na Tanzânia transmite fé. Witxala representa em Lómue (dialeto utilizado na cidade de Gurué – Moçambique) viver em liberdade. A Andreia Baptista é uma pessoa de Imani e Witxala e é através de ambas que tem conquistado vidas pelo continente africano e em Portugal. A sua história e lições de vida vêm polvilhadas com extra imani e sabem a esperança.
Sinopse de como nos conhecemos
As ligações interpessoais são um dos pilares da associação Solo Adventures e não é por acaso - nada é, por isso o percurso da Andreia veio por recomendação de uma outra pessoa, que por sua vez veio por conhecimento de outra. O que interessa é que aqui estamos e conseguimos trazer esta experiência até ti. Aproveita.
Sobre a Andreia
"Umas das minhas memórias mais antigas é de dizer enquanto criança que um dia iria ajudar em África. Lembro-me que, quando passavam documentários na tv sobre missões em África, sentia o coração apertadinho e uma sensação de preenchimento ao mesmo tempo, por acreditar que um dia seria eu ali, a fazer a diferença nos sítios mais pobres.
Por volta dos meus 15 anos descobri que o “ajudar” que tanto acreditava como o verdadeiro caminho para a igualdade, não era mais nem menos que os Direitos Humanos. Foi através do livro do Gandhi que o descobri – “A minha vida e as minhas experiências com a verdade”. Quando pesquisei pela primeira vez quem era Martin Luther King, Nelson Mandela, entre outros, senti que era isso que eu acreditava, que partilhava os mesmos ideais.
Ninguém levou muito a sério. Era criança, depois adolescente com umas ideias meias “malucas”. A minha família achava que um dia iria passar mas não. Foi nessa altura que fui trilhando o meu caminho. Tornei-me ativista da causa animal, ambiental e humana. Tentei sempre fazer o que estava ao meu alcance, desde manifestações, angariações de fundos para as mais diversas causas, entre outros.
No final do 12º ano, sentia que tinha chegado a hora de partir para África. No entanto, não foi bem assim. É tão bom ter uma irmã mais velha, pois é uma segunda mãe! A minha querida irmã Sofia, disse-me: “o que vais fazer para África apenas com o 12ºano? O que vais levar de “novo” para mudar aquela realidade?”. Eu não queria esperar mais anos para partir mas ela tinha razão! Se queria ajudar teria que ter bases, pois não queria de forma alguma ser mais uma a promover o assistencialismo. Foi assim que ingressei em Serviço Social. Com imenso orgulho digo que sou Assistente Social, que a minha profissão está assente nos Direitos Humanos e na Dignidade Humana. Depois da Faculdade, resolvi ainda tirar uma Pós-Graduação em Direitos Humanos. Acabei-a poucos meses antes de partir para África.
Em 2014, parti para Moçambique através dos Missionários da Consolata. Devo tudo ao P. Bernand e ao António Fernandes. Para além de terem acreditado em mim, abriram as portas para que eu pudesse elaborar e concretizar outros projetos.
Vivi na Zambézia durante 8 meses, num Orfanato e criei um projeto de reintegração social numa Penitenciária - as suas lições de vida mais abaixo neste artigo nascem desta experiência.
Em Julho de 2015, regressei a Portugal. Foi brutal porque conheci o outro amor da minha vida, a minha sobrinha. Mas por outro lado, foi a experiência mais tenebrosa. Sentia-me fora da caixa. As pessoas pediam para contar a minha experiência e as reacções eram quase nulas ou então tentavam compensar-me “pelo meu sofrimento”. Como também não sabiam como reagir, voltavam aos temas banais, falavam de coisas fúteis e eu ali no meio, como se tivesse fora do aquário. Era tudo acessível e demasiado descartável. Ninguém dava o real valor às coisas do dia-à-dia. Só apetecia dizer: ”Hello!!!! Há pessoas a percorrem 10km para irem buscar água e tu estás preocupado com roupa??”. Mas no fundo, ninguém tinha culpa de eu me sentir assim. Passei um mês “sozinha”, quase sem ver ninguém. Durante esse mês, recordei o que me disseram em tempos: “se quiseres muito voltar para Moçambique, voltas”. No final desse mês decidi que iria voltar para Moçambique.
No ano seguinte, por mim mesma, parti. Durante quase um ano fui Professora de Direitos Humanos, numa zona rural da Zambézia. Continuei de igual modo, com o meu projeto de reinserção social na Penitenciária (curso de alfaiataria + material para começar a trabalhar após a libertação + suprimir as necessidades básicas e apoiar os estudos dos reclusos). Este projeto chamava-se Witxala = Liberdade, era o meu “bebé” e foi por ele que voltara. Orgulho-me imenso de ter possibilitado a mudança a alguns reclusos.
Um dos marcos da minha vida, foi ter acompanhado um recluso à leitura da sua sentença. Nunca quis ir a este tipo de acontecimentos ou até mesmo, saber os crimes que praticaram, queria ser o mais isenta possível. Mas o J. pediu-me, pois não tinha família e não queria estar sozinho naquele momento. Aguardei na pequena sala de audiências com mais pessoas (familiares de outros reclusos). Quando ele entrou, senti como se ele fosse “meu”, da minha família. Era um dos meus, do meu grupo, que queria mudar, ter a possibilidade de mudar de vida. Nunca esperei sentir isso, especialmente, naquele momento. Até hoje vejo-o a entrar na sala e aquele sentimento vem ao de cima. Este meu projeto, foi a tradução clara do que eu mais acredito no mundo, que todos nós temos a possibilidade de mudar quando o sentimos verdadeiramente.
Depois disso, trabalhei com raparigas na área do casamento prematuro e gravidez precoce. Sou feminista e este tema sempre mexeu comigo. Conhecer e saber que há raparigas que se suicidam porque querem estudar, serem independentes e não se casarem com homens mais velhos que elas ou a prostituírem-se, é um murro no estômago. Nascer mulher em Portugal, é uma das maiores dádivas que a vida nos pode possibilitar, dentro de todas as desigualdades que ainda vivemos!
Posteriormente, criei e fiz a gestão de uma escolinha comunitária numa zona rural de Nampula. Neste sentido, as crianças falavam apenas o dialécto local – Macua e não a língua oficial do país – o português. O projeto possibilitava às crianças uma refeição quente diária, aulas de alfabetização e atividades lúdico-pedagógicas.
Por fim, ao final de quase 6 anos de viver em Moçambique ganhei coragem! Ao meu lado tenho os melhores. Todos eles fizeram missões ou viveram em África. Dei o passo e criei uma Associação em Portugal, a Imani. Imani significa acreditar/ter fé. Até agora, a minha vida foi feita de acreditar, acreditar que é possível! Acreditei em cada projeto que criei e entreguei à comunidade. Acreditei nas pessoas que estiveram ao meu lado. Mas sobretudo, acredito que cada um de nós pode fazer a diferença na vida de outra pessoa, basta querer!
Neste momento enquanto IMANI, estamos a desenvolver:
Projeto de Plantação de Árvores de Fruto em Comunidades Vulneráveis (foco na subnutrição e alimentação gratuita);
Apoiar os Refugiados de Cabo Delgado – na Cidade de Nampula;
Brevemente, iremos começar com um Projeto de Apoio a Raparigas em Risco de Casamento Prematura/Gravidez Precoce, para que não abandonem os estudos. A nossa experiência empírica demonstra-nos que, quando a mulher obtém um rendimento mensal tende a investi-lo quase na sua totalidade na família/escolaridade dos seus filhos, em detrimento do homem, que tende a investir em álcool e não só. Se investirmos numa rapariga, a probabilidade de acabar com a pobreza intergeracional é enorme!
Por fim, quero deixar uma mensagem. Para além de agradecer a quem leu este testamento gigantesco, que façam um exercício que uma vez me propuseram:
Se em criança mostrassem o que tu és atualmente, como é que a “tua” criança iria reagir? Iria gostar do que tu te tornaste? Todos nós podemos mudar o mundo de alguém!
Todos nós temos o poder de fazer diferente na nossa profissão, de sermos Líderes pelo Serviço. Até se quisermos, de mudarmos a nós mesmos como camaleões. Basta querer, muito mas muito. Não aceitar o não e continuar em frente. De cair e levantar. De ver os cabelos brancos aparecerem e de pensar: a minha vida valeu a pena!"
Segue a página da Associação IMANI aqui.
Eu, enquanto representante da IMANI, na Plantação de Árvores de Fruto na Comunidade Vulnerável de Namacata
Eu e o filho do meu coração, o S.
Eu com as crianças da Escolinha, na zona rural de Nampula
Depois de ter dado as aulas sobre liberdade religiosa, um aluno ofereceu-me um pequeno livro da sua religião e escreveu-me uma carta. Na carta pedia desculpas por no início acreditar que a verdade estava na sua religião e por ter teimado com os seus colegas. Por fim, agradecia a minha paciência, por ter “dado a possibilidade de sermos todos diferentes” e de lhe ter demonstrado que Deus não tem religião.
Eu com um dos reclusos do grupo de costura, durante o Curso de Alfaiataria (Penitenciária). O Rogério depois da sua libertação, ganhou uma máquina de costura e o kit inicial para começar logo a trabalhar de forma independente. Foi dos ex-reclusos com maior sucesso. Sustenta a sua família, conseguiu alugar um espaço central na cidade, aumentando assim as suas vendas. Não voltou mais a reincidir criminalmente.
Dia 1 de Março de 2015, o dia dos meus anos. Foi a primeira vez que entrei numa Penitenciária. Recebi estes bilhetes, escritos em cartão e pedaços de papel, tudo valia, pois o tempo era pouco para falar. Quando cheguei a casa (orfanato), li um por um. Pedidos de ajuda por produtos de necessidade básica dos mais básicos que possam imaginar. Foi aí que surgiu o Projecto Witxala, mais do que fornecer produtos de necessidade básica e ajudar a pagar os estudos dos seus filhos (pois deixavam de estudar quando o progenitor estava preso), dávamos também a possibilidade dos reclusos mudarem de vida através da Profissão de Alfaiataria.
Lições de vida
-da Andreia para nós-
"Vivi na Zambézia durante 8 meses, num Orfanato e criei um projeto de reintegração social numa Penitenciária. Aqui aparecem as minhas cinco grandes lições de vida:
1ª Lição – A Simplicidade da Vida nua e crua: Vivenciei as maiores cheias da Zambézia de 2015. Vivi privada de electricidade/rede por um mês e foi a coisa mais libertadora de toda a minha vida. A água era da chuva, a comida racionada. Procurei por pessoas desaparecidas em deslizamentos de terra e compartilhei a dor de mães que tinham perdido os seus bebés, ainda subterrados aos nossos pés. Foi das situações mais duras e mais extremas que me fizeram mudar sem eu ter apercebido.
2ª Lição – O mais pobre dos pobres reparte e volta a repartir: Fizemos uma angariação de bens alimentares e de roupa na comunidade. A comunidade estava de rastos. Tinham perdido os seus entes queridos, vizinhos, as suas reservas de comida de um ano… Como poderiam dar algo? Deram tanto mas tanto. Sacos e sacos! E ainda escreveram bilhetes de apoio e consolo. Deixavam-nos por iniciativa própria, dentro dos bolsos das roupas que doavam. Há amor maior pelo próximo do que este? Há maior generosidade do que esta? Pessoas que com menos de 1€ por dia estavam a repartir o seu “pouco”?
3ª Lição – Acreditar sempre em mim e na “minha” causa, os Direitos Humanos: Não irei nomear todas as vezes que me criaram de forma propositada “uma maré gigante de correntes fortes” para que eu desistisse. Também já fui enganada e roubada de forma subtil. Não tenho vergonha do dizer. Viver em África tem disso, afinal sou europeia de pele escura/estranha para Portugal mas branca para Moçambique. O importante é nunca perder a capacidade de voltar acreditar no outro, do continuar amar como meu irmão e do caminho que eu fiz até aqui chegar.
4ª Lição – A resiliência e a aceitação do não: Acho que de todas as minhas maiores provações foi não ter tido a possibilidade de adoptar o filho do coração que eu criei e que era órfão, o S. Ser mulher, solteira e estrangeira, não foi e não é uma boa combinação. Amar alguém sem nos ter saído de nós é algo extraordinário. Aceitar o não e praticar o desapego é mais do que duro. Esta foi uma das maiores lições que a vida me deu, amar muito, transbordar de amor mas saber deixar ir e no final, continuar amar mesmo assim.
5ª Lição – A soma de todas as lições: Por mais duro que seja, por mais difícil que seja, não trocaria a minha vida por nada! A ideia com que crescemos em Portugal, de ter um trabalho estável, casa, reforma … Provavelmente não irei ter. Se mete um bocado de medo, mete! Mas depois olho para a vida que se leva na Europa e será que a conseguiria ter? Não! Nasci para criar, elaborar projetos, soluções sustentáveis e devolvê-los às comunidades. Acreditar no potencial das pessoas e estar com elas, ter o pé na terra quente e andar vestida de riscas com quadrados sem ser um “problema”. Até ao final dos meus dias quero sentir que fui útil, que acreditei em alguém e que esse alguém conseguiu mudar a sua vida, que existiu verdadeiramente uma mudança intergeracional. É esse o meu propósito, ser um canal para melhorar a vida dos outros, para que também eles possam seguir os seus propósitos de vida, tal como eu segui".
Boas Aventuras,
Joana Feliciano & Andreia Baptista
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