Acredito que temos em nós a capacidade de comoção sustentada e sustentável, isto é, que há uma resiliência possível, mesmo nos momentos de aparente total desânimo ou choque. Por isso, a comoção, vista aqui, ora apenas como emoção forte, ora como verdadeira desordem nervosa que nos abala e quase destrói, pode ser, acreditamos, também fonte de revolta e resistência. O abalo como fonte de ressurgimento, digamos.
São múltiplos os exemplos de histórias dramaticamente experienciadas, mas em que os próprios conseguiram encontrar formas razoáveis e funcionais, mas também preenchidas, de lidar com tais afetos desordeiros e dolorosos. Algumas delas quase que nos chegam a parecer impossíveis, tal é a força que parece emergir da própria dor. Na verdade, como se a raiz – apaixonada e perene – que nos agarra à vida, fosse a mesma raiz que nos toldara o espírito, a mente, o corpo.
Por acreditarmos na capacidade das emoções e na sua necessidade – todo o espectro delas, queremos dizer – acreditamos igualmente que a vida as chama com algum propósito.
Pensemos, por exemplo, naquela pessoa que sempre fugiu de sentir e que se basta a si própria, simplesmente realizando e cumprindo o dia-a-dia. Um dia, algures, certamente como a todos nós, é acometida por uma experiência tão forte e tão inesperada, que sente todos os seus alicerces abanarem. Depois, sentirá certamente todo um mundo novo – exatamente aquele que tinha deixado latente e não pensado. Depois, é provável que possa sentir que não está capaz de funcionar e de realizar, tudo, portanto, o que constituía o seu mundo anterior. Dessa constatação, surgirá o desespero de se sentir inútil e repentinamente totalmente diferente, como se já não se se reconhecesse.
Destas múltiplas emoções e novas sensações, surgirá também, com grande probabilidade, a constatação de que, afinal, até precisava de outras coisas, de outras experiências e de outras pessoas; que o seu mundo, outrora perfeito, estava vazio em tantos pontos ou tão cheio de subterfúgios e afastamentos.
Propomos que essa pessoa, que agora sofre com a sua nova imagem no espelho, possa também refazer objetivos; fixar novos caminhos; propor-se a ser outra, mais plena e mais capaz de verdade.
Sustentabilidade emocional e comoção sustentada serão boas formas de acreditar sempre que o tempo que nos é dado tem múltiplos propósitos, nem todos felizes, nem todos bonitos, nem todos de brilho e luz.
É preciso sempre navegar, mesmo que o mundo esteja a parecer caótico; errático; injusto ou sem sabor. O que é a sustentabilidade se não o agir em proporcionalidade, sem desperdiçar ou desrespeitar? É-nos fácil pensar esse conceito e corrente de pensamento em relação aos outros e ao mundo. Porque não fazê-lo em relação a nós próprios?
Atentemos então: ser sustentável relativamente a si próprio é admitir que há momentos em que não estamos capazes de fazer o que fazíamos; de perceber que, noutros, o que precisamos é de ser cuidados ao invés de cuidar; que, a dada altura, a vida nos vai fazer pensar e sentir, ao invés de fugir e agir; que, como provavelmente qualquer sistema vivo, teremos um fim e, concomitantemente, uma obrigatoriedade ética de nos cuidarmos e respeitarmos, sem atingir o extremo da decadência, da inação total, da desesperança vazia; do desperdício de nós próprios e dos nossos múltiplos papéis no mundo.
Tentemos ser ecologicamente corretos, economicamente viáveis, socialmente justos e culturalmente diversos mas, antes disso, respeitemos os nossos momentos e as nossas vivências, para que possamos dar o máximo de nós, quando conseguirmos e o mínimo de nós, quando assim nos sentirmos capazes. Respeitemo-nos, comovendo-nos, de forma sustentada e sustentável…
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