Um belo dia, adormeci a conduzir e decidi que precisava mudar… literalmente. Eu percorri durante 2 anos, 100km todos os dias para ir trabalhar e isso esgotou todos meus recursos, inclusive (ou principalmente) os emocionais.
Hoje, resolvi abrir o meu coração, depois de alguns meses em pleno caos físico e emocional. Há algum tempo atrás, abracei o desafio de mergulhar no universo do bacalhau.
“Mar dantes nunca navegado”!
Quando comecei a faculdade de Publicidade e Propaganda no Brasil, nunca em tempo algum, sonhei em trabalhar em uma empresa de Bacalhau. Um produto tão tradicional português e que viveu apenas nas minhas memórias de infância.
Alguns anos depois, já em Portugal, surgiu a oportunidade e eu agarrei-a com unhas e dentes. Havia apenas um desafio maior do que o novo trabalho: chegar ao dito trabalho!
E eu encarei, com muita alegria e dedicação. Foram dias de chuva e de sol, primavera-verão, outono e inverno. Eu estava lá, a aprender. Mas um dia, eu sucumbi!
Sucumbi ao excesso de gestão mental, do tempo e da quantidade de tarefas, sucumbi ao cansaço físico, sucumbi aos gastos financeiros ( ninguém fala disso, mas viver custa caro!) e sucumbi a minha vontade de não sair da capital Lisboa.
Acho digno, e tenho muito orgulho, de me dedicar de forma intensa ao meu trabalho. Sinto uma alegria imensa em ver o resultado dos projetos que me envolvo. Como diria minha mãe: “Não te paguei faculdade para você ir para as calouradas e beber copos!”.
Sim, sra. Juliane, tens toda a razão do mundo!
Mas infelizmente, as últimas décadas tem levado um número impressionante de profissionais à estafa. O famoso Burnout.
Em ligeira passeada pela internet, encontrei alguns dados de pesquisas feitas por alunos de Mestrado de instituições como o ISEG - Lisbon School of Economics and Management e da Universidade do Porto, e os dados são alarmantes, mesmo antes da pandemia.
“As gerações de trabalhadores mais jovens possuem índices de Burnout, Cinismo e Exaustão mais elevados, e uma Eficácia no Trabalho mais fraca, do que as gerações mais seniores”;
“Os trabalhadores do Género Feminino possuem maiores índices de Exaustão Emocional face aos trabalhadores do Género Masculino”;
“Quanto mais elevada for a carga horária de um trabalhador, mais elevada é a sua Exaustão Emocional e menor é a sua Eficiência Profissional.”
“Ser mulher, ser médico ou enfermeiro, ter mais anos de experiência, ter filhos menores, ter pessoas vulneráveis a seu cargo, ter receio de infectar e ser infectado, ter de passar a viver sozinho, estar diretamente ligado ao atendimento/gestão dos doentes com COVID-19, trabalhar numa instituição que não tenha disponibilizado equipamentos de proteção individual suficientes, ter trabalhado um número excessivo de horas, não ter tempo suficiente para realizar todas as tarefas, o sentir-se inseguro no trabalho e o querer mudar de profissão, sejam fatores positivamente associados ao burnout”;
( Fui me encaixando em várias situações, só para constar mesmo. E você?)
Não vale nem um pouco a pena, entrarmos em discussões aprofundadas sobre causas e consequências. A verdade, verdadeira, é que estamos vivendo uma era de resultados rápidos, ferramentas que exploram nossas habilidade de nos adaptarmos instantaneamente e uma perda incalculável daquilo que chamamos de vida particular. Se é que isso ainda existe em tempos de redes sociais.
Um outro estudo coordenado pelo Departamento de Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças Não Transmissíveis do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, em parceria com o Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e com a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, chamado de SM-COVID19. Querem mais dados? Tomem lá dados:
“Os jovens adultos e as mulheres apresentam sintomas de ansiedade e de depressão moderada a grave.”
“No que diz respeito à expectativa face ao futuro após a pandemia: 96% dos inquiridos preocupam-se com a possibilidade de o país entrar numa crise económica muito grave e 75% teme não recuperar os rendimentos que tinham anteriormente."
No dia em que adormeci, depois de tantos quilômetros e de tantas horas de trabalho, percebi que precisava fazer algo por mim, pela minha filha e pelo meu futuro profissional.
Talvez, eu não fosse insubstituível para a minha empresa, apesar de me dedicar e procurar ser a melhor profissional possível. Mas para a minha filha, eu sou. Mas para a minha família, eu sou … para mim mesma também. Só eu poderia continuar a escrever a minha história.
Mudei-me de cidade, agora vivo a 3km do trabalho e a 50m da escola da minha filha.
Mudei meu guarda-roupas. Doei sacos e sacos. Percebi que precisava de pouca para viver.
Mudei minha alimentação. Agora, consigo gerir melhor as refeições.
Mudei meus programas da noite. Ao invés de me sentir exausta e cansada, posso ir ao parque com minha filha e deixá-la brincar até o sol ir embora.
Eu não precisei me despedir da minha carreira, eu só precisei me despedir da velha mania de achar que o que eu gosto, é o que eu preciso. Eu estava mais errada do que nunca.
E se achar que não consegue suportar sozinho, procure ajuda profissional no centro de saúde ou em algum hospital. Não lute sozinho!
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