Vinda do reino dos Algarves a história da Lígia tem tanto de sonhadora quanto de ginasta de concretização. O nomadismo digital corre-lhe nas veias e a peggada ambiental é a sua missão. Vem percorrer este caminho repleto de curvas e contracurvas recheado de lições que nos vão ensinar como evoluir, um passo de cada vez.
Sinopse de como nos conhecemos
Se a memória não me atraiçoa foi no final de 2019 num evento de networking na capital. Eu tinha acabado de colocar uma questão a um dos oradores e a Lígia que estava sentada a poucos metros de mim na plateia de forma muito simpática e como uma verdadeira networker prontamente disponibilizou alguns conhecimentos e connects. Trocámos contactos e voilà, umas voltas mais em torno do sol e construímos este momento de partilha para ti. Enjoy.
Sobre a Lígia Gomes
Há algum tempo que não encontrava alguém que partilhasse a sua bucket list de sonhos desta forma e só por isso já valeria a pena conhecer mais sobre a Lígia. Por sorte/ destino o que não lhe falta são "detalhes inesperados" e uma constante "procura por novidade" que a tornam num ser humano de mil arestas e dimensões. 'Bora conhecer algumas delas?
A questão de partida era: o que te marcou?
A resposta? Felizmente temos mais do que uma:
"Lígia Gomes, louletana, ginasta e sonhadora. Passei da 1a classe para a 3a classe e entrei
com 5 anos para a escola. Diria que foi uma das coisas que marcou a minha vida.
Era sempre a mais nova e embora partilhasse aulas com os meus amigos, eles tinham mais
liberdade do que eu porque era sempre quase dois anos mais nova. Isso gerava alguma revolta interna. Um burburinho maluco que me dizia que eu podia fazer mais.
Vivi com os meus avós maternos durante toda a minha infância e adolescência e estes dois seres que amo mais do que tudo, embora pouco letrados, deram-me a base de quem sou hoje. Deram-me quilos de tolerância à diferença, ensinaram-me o que é a bondade e a noção de que eu é que decido o meu caminho. No entanto, quando entramos no bosque, por vezes, não apanhamos o atalho mais directo. Queria humanidades, mas acabei por ir para Ciências porque segundo os adultos da minha escola, “era um desperdício”. Uma criança confia nos adultos. Assim, meti na cabeça que mais valia tentar entrar em medicina.
Outro marco muito forte foi quando decidi trocar umas escolhas múltiplas no exame nacional de química. Isso ditou a minha ida para Lisboa em 2002, para tirar o Mestrado integrado em Ciências Farmacêuticas. Como não gostava do curso, estive em todo o tipo de atividades extracurriculares possíveis para me esquecer a razão real da minha presença ali.
Substituí a ginástica pela tuna, onde podia passear pelo país na mesma, dar uns saltinhos com a minha pandeireta e divertir-me.
Fui coordenadora do núcleo de rádio, onde criei um festival de bandas e estava sempre a par de todos os novos álbuns.
Escrevia para a Pharmacevtica, a revista da faculdade e envolvi-me em associações de estudantes. Diria que este também foi um marco porque se com a Tuna entrei num avião pela primeira vez rumo à Madeira em 2005, os congressos internacionais de estudantes de ciências farmacêuticas, trouxeram-me o bichinho pela viagem além fronteiras. Trouxeram-me também a minha paixão pela diversidade, adaptação e até a noção de que era boa a organizar eventos e a idealizar soluções criativas.
Digamos que levei alguns anos a decidir que ia acabar o curso e depois provavelmente seguir outro rumo. Estava bem por lá, as pessoas eram porreiras e andava entretida a descobrir que as minhas competências eram diversificadas.
Hoje sou uma farmacêutica não praticante. Trabalhei na Indústria Farmacêutica, achei aborrecido e despedi-me. Um grande marco foi quando entendi que não ia ser feliz numa área que não me deixava expressar o meu “eu”. Seja por ser um meio corporate onde precisava de me vestir de certo modo com o qual não me identifico, seja porque não podia ser criativa e ver o impacto das minhas ideias a acontecer num curto prazo, ou talvez porque ao longo dos anos me tornei numa pessoa diferente. Foi das coisas mais complicadas da minha vida. Como explicar à família? E aos amigos? Todos à minha volta tinham objetivos de ter bons empregos na área farmacêutica, falavam muito sobre o assunto e havia um certo sentimento que a minha desistência era uma derrota, uma falha.
O ser humano é social - gostamos de pertencer. Eu não era diferente. Queremos saber que estamos num grupo e que temos um papel importante. Foi no momento em que percebi que podia tentar aliar a minha mudança a uma pertença no mesmo grupo - até no sentido de normalizar a diferença - e que teria que ser confiante o suficiente para aguentar a perplexidade e incompreensão, que achei possível.
Inicialmente, convenci uma agência de publicidade que só trabalhava saúde a contratar-me como copywriter. Foi dos trabalhos mais interessantes que tive. Onde ter ideias todo o dia era o meu trabalho e utilizei a minha formação para que as ideias fossem válidas em termos regulamentares e científicos. O marketing digital começou e entrei na onda. Aprendi muito.
Achei que trabalhar só saúde era chato. Despedi-me [em 2010].
Ajudei a lançar a Yelp, fiz parte da equipa que lançou a Zomato e passei por vários departamentos. A certa altura o meu trabalho era levar foodies a experimentar novos restaurantes. Vi o que era começar uma empresa de raiz até que a mesma fosse uma referência. Fiz muitos amigos e alarguei o meu horizonte para fora do mundo farmacêutico. Vi outras perspetivas, outras opiniões. Nesta altura comecei a viajar muito mais e comecei um blog em 2015 (A crush on). Pouco depois percebi que queria viajar ainda mais e para isso precisava de um trabalho que me permitisse isso.
Um enorme marco, foi a minha decisão de não perseguir uma carreira, mas um estilo de vida. Descobri a Remote Year em 2016, programa que permitia que nómadas digitais viajassem pelo mundo com toda a logistica organizada e uma imersão na cultura local. Não consegui logo um trabalho remoto, era Directora Geral do Programa em Portugal. Depois de 2 anos e meio de receber mais de um milhar de nómadas, quis ser nómada também e consegui um trabalho de Customer Support para uma startup australiana na área de User Research. Muita gente achou um downgrade de carreira, mas não perceberam que foi uma melhoria de estilo de vida.
Decidi voltar a estudar algo que gostasse mesmo e a certa altura estava a tirar dois Mestrados ao mesmo tempo. Antropologia na Faculdade Nova de Lisboa e Desenvolvimento e Cooperação Internacional no ISEG. A minha tese de Antropologia foi sobre Nomadismo Digital.
Em 2020, o trabalho remoto foi um dos assuntos do momento e fiquei feliz por ter escrito sobre isso ainda antes do mundo entrar em confinamento.
Durante a quarentena andei a sentir-me meio inútil. Muitos amigos meus ficaram sem trabalho e por isso decidi fazer um site chamado Work From Neptune, onde pus todos os job boards que fui guardando ao longo dos anos de pesquisa de como me tornar nómada digital.
Para além de todas as coisas que fui mencionando, uma das coisas que me marcou, foi o facto de nas minhas viagens e enquanto recebi pessoas em Lisboa, me ter apercebido da nossa pegada no mundo e das injustiças sociais com as quais vivemos todos os dias e ignoramos.
Ainda ninguém falava do plástico e eu já era aquela amiga chata do grupo que ninguém podia ouvir. Na Remote Year, todos os meses ficavam muitas coisas para trás - eu dividia tudo, criei uma mercearia comunitária no cowork, e doava as roupas que ficavam para trás.
Em 2020, não sei bem como, descobri um programa de aceleração de ideias, chamado Women4Climate. Inscrevi-me no início do ano e depois de o universo me juntar a pessoas
incríveis, nasceu a Peggada. O projeto é um agregador de lojas a granel, ecológicas,
roupa de segunda mão, hotéis e restaurantes sustentáveis de Lisboa.
Comecei a abordar muito estas temáticas da sustentabilidade e impacto positivo no meu blog/instagram. Nomeadamente a questão dos refugiados e a desigual oportunidade na área da educação e saúde. O local do nosso nascimento não deveria determinar o nosso futuro de um modo tão marcado. Assim, tento lutar todos os dias, na medida do meu possível, para uma sociedade mais preocupada com o nosso planeta e com um maior teor de humanidade".
Segue a Lígia nos seus canais:
E já agora os seus projetos:
Espreita a conversa que tivemos com a Lígia aqui:
Lições de vida
-da Lígia para nós-
1. Mudar não é um sinal de fraqueza de espírito - Vão dizer-te que sim, mas não é. Vão
dizer-te que tens de ter uma opinião vincada e que és uma troca tintas se a alteras. Não é.
Chama-se crescimento, maturidade, exposição a outras ideias e perspectivas. Mudar é bom
- quer dizer que houve um processo de entendimento sobre nós e que a nossa direção pode
ser alterada sem medos. Isto vale para perspectivas sobre política, religião, carreira, vida
pessoal e qualquer outro assunto fracturante.
2. Devemos sempre assumir boas intenções - Num mundo que nos quer dividir, onde se
destila ódio nas redes sociais, acredito que devemos ver cada interação, seja ela escrita ou
falada, com boas intenções até prova em contrário. A mentalidade sete pedras na mão e de
desconfiança generalizada deve ser substituída por uma abordagem mais positiva.
3. Ser desprovido de coisas, torna-nos mais humanos. Como assim? O modo de ver o mundo no global, deve-se muitas vezes a questões individuais e não devia ser por aí. É comum que as pessoas tenham uma opinião muito particular em relação a um assunto e que isso se deva apenas porque lhes toca pessoalmente. Exemplo, alguém compra um apartamento e junta todas as suas poupanças para o fazer. É decidido pela autarquia que perto daquele local irá surgir uma iniciativa/ infraestrutura que é importante para a comunidade, mas que pode desvalorizar aquele local em termos de mercado. É bem provável que esta pessoa fique contra o partido que governa, ou os valores deste, ou contra algo importante para aquela comunidade, porque o irá impactar a nível pessoal. É comum que este sentimento também ocorra por algo específico que possa acontecer com um familiar nosso. É importante termos esta noção e conseguir ver as situações com um distanciamento pessoal.
4. Rodeia-te de pessoas diferentes, porque na diferença é que está a virtude - Sou uma pessoa emocional, que se fascina por correntes alternativas e impulsiva, e estou numa relação há 12 anos com uma pessoa racional, tradicional e pés na terra. Isso ajudou-me em muitas fases da minha vida. É como viver numa balança onde nos apoiamos mutuamente para atingir o equilíbrio. Ter amigos com ideias diferentes das nossas também nos ajuda a crescer e amadurecer as ideias e visões sobre a realidade.
5. Viajar constrói a tua alma e a tua tolerância - Quanto mais viajo, mais bagagem trago. Mais aprendo, mais entendo, mais quero viajar. Muitas vezes sinto que em certos discursos lhes “falta mundo”. Quem vê mundo, vê mais.
Boas Aventuras,
Lígia Gomes & Joana Feliciano
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